sexta-feira, agosto 26, 2011

DUAS CRÔNICAS


Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas*

O Dr. Alfredo passou um dia bastante atarefado e estava exausto ao final do dia. Não via a hora de ir para o aconchego de seu lar, onde lhe esperavam sua amada esposa e querida filha de aproximadamente quatro aninhos.

Enfrentando um trânsito caótico finalmente abria o portão da garage de sua residência, chegando de mais uma jornada de trabalho.

Abriu a porta da sala e se deparou com sua mulher resmungando e muito nervosa.

- Você tem que conversar com a sua filha Isabella, ela está impossível, não a aguento mais!

- O que foi que aconteceu? Expressou o pai, jogando o seu paletó no sofá no canto da sala.

- Sabe aquela rosa que estava linda naquela roseira, no jardim, ela a arrancou.

- A Isabella?

- Sim.

- Como você sabe que foi ela? Não teria caído?

- Não. Não poderia ser outra pessoa. Não havia ninguém aqui, a não ser nós duas.

- Isabella, gritou o pai, indo para o quarto da criança.

Chegando lá, a menina brincava com suas coisas e ao ver o pai, correu em direção ao seu armário e dali tirou uma linda rosa vermelha e alegre e saltitante foi em direção ao pai, dizendo:

- Veja o que colhi para você!

O pai, assustado e desconsertado ficou imóvel no meio do quarto e a menina rindo:

- Tome papai, é para você. Veja que linda flor!

O pai agachou-se, pegou a rosa que a filha lhe estendia e abraçando-a, agradeceu o presente.

Uma lágrima rolou na face do pai. A filha arrancara a rosa de seu talo, na roseira, para oferecê-la ao seu querido papai.

A mãe vendo aquela cena, também se emocionou.

O pai disse à filha que seu gesto era muito lindo, porque expressava um nobre sentimento de gratidão. Mas acrescentou com o intuito de transmitir a ela outro elemento útil a sua formação como pessoa, também, que aquela flor ficaria muito viçosa se continuasse no seu talo, junto à planta.

Por fim o pai, analisando essa vivência ao lado de sua mulher e longe da filha, expressou que felizmente não externou o pensamento de impulsividade quando recebeu a notícia de que a rosa fora arrancada da roseira, porque se tivesse agido precipitadamente poderia ter maculado aquele instante tão sublime, em que a filha, inocentemente, praticara aquele ato, movida por um sentimento nobre de amor ao pai.

***




Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas*

Indo para casa, de ônibus, após um dia de trabalho vi uma passageira sentada à minha frente ao celular.

Falava, falava, ouvia, falava. Mais falava que ouvia. Todos na condução ouvíamos, porque o tom de voz era audível até ao final do veículo.

A conversa era variada. Saia de um assunto para outro e quem ouvia imaginava o outro lado do diálogo.

Não havia o cuidado da passageira em medir ou selecionar as palavras pronunciadas. Muitas não poderia reproduzi-las aqui. Por vezes, a indiscrição tomava conta do palavreado.

Lá pelas tantas, no trajeto da viagem, ouvi tanta coisa daquela conversa ao telefone que tive a impressão de que já conhecia a intimidade da pessoa. Falou de seu relacionamento amoroso, entrando, por vezes, em detalhes que devassavam a vida privada da jovem. Fiquei sabendo de coisas que não precisaria ter tomado conhecimento. Em determinados momentos ficava até “sem graça” de estar ouvindo coisas da vida privada que estavam ali naquela conversa, sendo expostas sem qualquer constrangimento ou escrúpulo.

Os demais passageiros do “buzão” estavam atentos àquela conversa telefônica que atraia a atenção de todos, por ser tão desprendida e totalmente livre de censura e no comentário de alguns, “despudorada”.

Um esboçava ou sorriso amarelo, outros viravam o rosto demonstrando desagrado e a maioria permanecia totalmente voltada para o “diálogo” inusitado, porque se ouvia apenas um interlocutor e o outro, imaginava-se o que dizia ou expressava.

Quem descia do ônibus o fazia com certo desconforto, porque em realidade queria continuar se deliciando com a audição propiciada pelo pequeno aparelho. Havia os que apeavam com pena de ter que descer naquele momento tão interessante da conversa.

Finalmente foi a minha vez de descer. Dei o sinal. Fiquei pesaroso de ficar impedido de continuar ouvindo aquele diálogo e ao sair do veículo e tomar o meu destino fiquei a pensar na facilidade que temos de expor e colocar para fora, sem qualquer pudor, as coisas que nos são tão íntimas e expô-las para que qualquer um as ouça ou veja, devassando ou, no pior dos casos, nos virando do avesso, dando-nos a sensação de vazio e fragilidade. Senti, nessa vivência, a discrição como um valor a cultivar nessa vida, em que vivemos mais para fora que para dentro de nós mesmos.

***
*Advogado tributarista. Autor de vários livros publicados no CLUBE DE AUTORES.

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Um comentário:

MARCO AURÉLIO CHAGAS disse...

Natalia Perez npe@jooble.com


Olá!

So queria te agradecer por um blog tao legal. evolucaoconsciente.blogspot.com.

Quero agradecer pelo um blog maravilhoso. Li o primeiro post "DUAS CRÔNICAS" e depois passei a hora inteira no blog com muito interesse :) Tudo esta escrito correto, interesante e facil pra ler. Gostei muito do post "A INICIAÇÃO NA MAIS ALTA DAS CIÊNCIAS".