sexta-feira, dezembro 25, 2009

A VIDA INTERNA E A DE RELAÇÃO

A VIDA INTERNA E A DE RELAÇÃO



Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas




Desconhecia, por completo, a vida interna, a que se vive com os pensamentos, sentimentos e emoções; somente conhecia a vida por fora.


Essa descoberta foi estupenda, porque se descortinou para mim a possibilidade de mudar, modificar a vida, superar.


A realidade dos pensamentos eu a percebi cedo. Em certa vez, notei que ao ter uma atitude algo se movimentava dentro de mim antes de se concretizar em ação. Antes esses movimentos mentais eu sequer suspeitava que existissem.


Ao tomar contato com ensinamentos que se referiam à reação psicológica de um hábito pude ver claramente a atuação desses agentes mentais me movendo a praticar certo hábito que identificara.


Exemplificando, tinha determinado hábito. Após algumas reflexões pude ver que aquele gesto ou atitude respondia a um hábito contraído na infância e mecanicamente.


Então me dispus a deixar de praticar aquilo. Das primeiras vezes, fiz um esforço grande, logo deixei de fazer o gesto físico, mas mentalmente o fazia e isso me chamou muito a atenção, porque agora tinha que vencer o hábito mentalmente, ou melhor, deixar de fazê-lo na mente. E isso foi mais difícil. Eu não o fazia fisicamente, mas mentalmente, a imagem do gesto acontecia e isso me incomodava muito, até que um dia depois de muitas e muitas tentativas senti que a imagem mental não mais aparecia e assim, finalmente, vencera o hábito. Ele nunca mais ocorreu em meu mundo interno.


Ao destruir esse hábito e outros, como esperar que as coisas aconteçam, sem fazer algo de minha parte, eu pude conhecer nesse trabalho muito do que acontecia em minha vida interna. Passei, pois a identificar características, modalidades, e muitas outras atitudes internas negativas e positivas que tinham origem na vida mental e que se materializavam em atitudes em minha vida física e de relação.


Estava descobrindo o que se passava em minha vida interna. Lembro-me que percebi a atuação dos pensamentos na mente antes que ele se materializasse na conduta. Estava vendo a atuação do pensamento ainda no ambiente mental e isso era uma grande descoberta, em que pese o número pequeno de informações e conhecimentos que estava adquirindo do mundo mental.


Os conhecimentos me estavam permitindo ver uma realidade para mim ignorada e desconhecida. Meu entendimento estava vendo, com a luz projetada do conhecimento, a realidade palpável dos pensamentos atuando no interno. Isso era simplesmente incrível !


Uma nova realidade se descortinava para mim, a realidade da vida interna.


Acabava de distinguir uma vida interna e uma exterior, porque também identificava que o que observava fora era a conseqüência, o resultado, do que ocorria mentalmente. Entendia, afinal, que a mente era a causa de tudo. Tudo acontecia primeiro, mentalmente para depois, acontecer fora, no externo.


Pode-se dizer que minha vida se ampliava, porque não é somente a que vivia em contato com o externo; havia e há também um existir dentro de mim que me impelia a cumprir com os mandatos da evolução.


Estava com a luz dos ensinamentos compreendendo a vida em sua essência, porque via palpitar dentro de mim uma vida até esse instante desconhecida e imperceptível.


Considero esse um requisito indispensável para a evolução individual. Sem conhecer a realidade interna, sem percebê-la, como poderia mudar?


Antes dos estudos minha vida era somente a externa. Ao me vincular conscientemente com a dimensão interna, a realidade da vida deixou de ser única para se tornar dupla. Hoje percebo duas vidas a interna e a externa.


O olhar passou a ver também para dentro e isso me fez sentir que a vida poderia ter outro conteúdo, duradouro e não mais de consistência efêmera e aparente.


Estou aprendendo a conviver com essa realidade interna ao procurar viver para dentro e a cada oportunidade comprovo que ali, somente ali, posso desfrutar da verdadeira intimidade.


O conhecimento vai me conduzindo para penetrar dentro de mim, para alcançar o autoconhecimento e guiado por ele interpreto melhor o que penso e sinto.


Recorri ao meu caderno de vivências para trazer aqui o ali anotado que comprova, a meu juízo, que a vida interna é uma realidade para mim:




Em certa feita ali anotei:


«Internamente estou experimentando algumas mudanças. Outros pensamentos ocupam minha mente, atraídos, talvez, pelas reflexões que ultimamente venho fazendo sobe o meu dia-a-dia.


Os pensamentos ainda preponderam sobre minha vontade, embora saiba que o contrário é o que deveria acontecer, ou melhor, minha vontade predominar sobre a dos pensamentos.


Os pensamentos como entes, ou agentes mentais, deveriam servir a minha vontade.


Eu deveria comandar a atividade deles em minha mente.


Quando planejo alguma atividade que vou desenvolver, percebo que comando os pensamentos que necessito para realizar tal atividade ou plano.


O planejamento é, então, uma forma de se exercer o controle da própria mente.


O que se passa internamente é difícil de se exteriorizar no papel, pois pertence ao foro íntimo e corre-se o perigo de malograr ao ser exposto. É a intimidade. Parte se pode levar ao externo e parte não, pois não se traduz em palavras.


Procuro desenvolver várias atividades ao mesmo tempo. Leio, escrevo, desenvolvo trabalhos, cuido de minhas ocupações profissionais, dedico-me às tarefas e tenho vários objetivos a cumprir. Em umas fracasso, em outras tenho êxito. Sigo em frente. A vida continua».


Isso trouxe como conseqüência o cultivo de novos valores, os valores internos, que passaram a me agradar e me atrair mais que os valores externos.


Em meu caderno de vivências, onde consigno algumas reflexões, extrai dele o seguinte, relacionado com o cultivo desses valores:


«Os valores materiais servem para a vida física e o que deve me interessar é a conquista de valores reais, imateriais.


Cada coisa deve ter o seu real valor. Entretanto, a cultura vigente me leva a valorizar o mais da conta, ou excessivamente, os valores materiais. E luto, denodadamente, para a conquista desses valores, em prejuízo da conquista de valores espirituais, eternos. Não é questão de menosprezar os valores materiais, mas usá-los na medida real por que foram instituídos. Dessa forma, entendo porque não se deve ambicionar riquezas materiais. Essa ambição coloca a pessoa fora de si mesmo, num desvio e o faz se afastar do campo de conquista dos reais valores».


Aos poucos estou dando preferência aos contatos com os sentidos superiores, que determinam outras concepções e formas de proceder, diferentes das experimentadas através dos sentidos da vida física.


Nesse processo a conduta interna se orienta sem vacilações bruscas em busca de um ideal, ideal que se manifesta em transformações que dão vida a uma existência nova.


A realidade do espírito e da vida espiritual está deixando de ser utópica e se apresenta como reais possibilidades do espírito, eterna.


Sinto que hoje desfruto mais de meu foro interno. Consigo recolher em mim. É sagrado e inviolável esse foro, porque pertence exclusivamente aos domínios da consciência.


Hoje posso dizer que convivo com pensamentos gratos, edificantes, elevados, superiores. Acaricio aspirações, projetos, esperanças. E encontro nesse meu mundo que é só meu, o cálido ambiente de recordações, paz e de estímulos que tanto me reconfortam.


Desfruto, ainda que em forma muito superficial, de uma vida de vinculação interna, de relação própria, que pertence única e exclusivamente a mim. Nesse íntimo enlace entre a mente, o coração e a consciência.


Aspiro preservar, agora que sei da existência desse mundo íntimo, de toda contaminação externa e reservar para mim, para minha intimidade, o que me proponho fazer em favor de meu melhoramento.


Como poderia melhorar o meu relacionamento com os que me cercam ou se relacionam comigo se desconhecia por completo a minha realidade interna? Seria possível?


É um resultado do cultivo interno a melhora no relacionamento externo, no lar, no trabalho e em todos os ambientes em que devo viver e atuar.


Nessas relações externas recolho muitos elementos, graças ao cultivo da observação consciente, que me ajudam a me conhecer mais e melhor.


No trato com um filho, exemplificando, aprendi a ver que não era tão paciente assim. A impaciência e a tolerância pulavam inesperadamente e me surpreendia tendo atitudes que imaginava jamais ocorreriam comigo.


E assim, em muitas circunstâncias, nesse convívio externo, aprendia e aprendo sobre a minha própria psicologia e o que havia e há dentro de mim, de bom e de ruim.


Recorri mais uma vez ao meu caderno de vivências para ver se ali encontrava alguma coisa registrada, pertinente ao tema tratado e achei o seguinte relato:


«A observação de minhas atitudes e conduta com relação a meus filhos me revela o ser que sou.


Quando me sinto incomodado é porque uma parte de mim foi tocada e me mostra como sou. Um ser ainda tosco, com muitas coisas a modificar para melhor.


Quantos pensamentos horríveis saltam à mente quando desse contato e convívio com os semelhantes!


Assim, vou me conhecendo, sabendo quem sou. Um ser que tem muito a avançar no caminho do aperfeiçoamento.


A predominância do bom humor, tão importante para romper os obstáculos que a vida nos apresenta, cede lugar à irritação nessa convivência com os demais que estão próximos, mostrando que dentro ainda existem pensamentos inferiores que devem dar lugar aos nobres e elevados.


O desprendimento é possível de ser cultivado junto aos familiares. A resistência experimentada ao emprestar algo que me pertence, a um ser que dele necessita não mais me incomoda como a uns anos atrás. Isto significa que outra classe de pensamentos existe em minha mente, contrária à que antes predominava nela.


O resultado dessa nova conduta traz uma alegria íntima indecifrável. Já experimento o gradativo desapego dos valores materiais que tanto subjugam e escravizam.


O estudo de minha própria psicologia, partindo da observação que faço de meu comportamento e conduta, em relação aos entes queridos principalmente, e aos demais, me está permitindo descobrir facetas de meu ser que ainda não se haviam revelado e a pensamentos e sentimentos que julgava não ter».


Conseguiria perceber essa realidade interna de minha psicologia, esses movimentos mentais, essas reações psicológicas voluntárias e involuntárias, interferindo na vida de relação, sem o auxílio e a orientação da luz do conhecimento?

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